O supermercado onde trabalho, é um supermercado de média dimensão, uma cidade, rodeada de vilas e aldeias e até montes.
Há pessoas ligadas ao meio rural, que vivem em locais ermos e distantes, tipo onde judas perdeu as botas. As pessoas mais novas, com automóveis e meios de deslocação e com conhecimento de tecnologias, que apenas gostam de estar em contacto com a natureza, não têm certamente problemas. Mas depois há os velhotes, que sempre aqui escrevo sobre eles, e por tenho empatia. Estas pessoas recebem os cupões do continente pelo correio. Acontece, que na zona, os carteiros parecem ser escassos, e ainda costumam fazer greve. Então, estas pessoas estão muito tempo, além de isoladas, sem correspondência.
Um dia destes, um velhote habitual, confessou-me que não recebeu a carta da eletricidade para pagar, então cotaram-lhe a luz e teve de pagar para regularizar a situação. É triste que isto aconteça com as pessoas. É que a falta dos cupões do continente, nós ainda conseguimos ajudar, mas as contas para pagar, onde as pessoas não tem outra forma, complica a vida destes indivíduos.
Um senhor muito debilitado, que quando tem o carrinho ampara-se nele e leva a canadiana lá dentro.
Abriu uma nova caixa, mas ele disse que ficava naquela fila (a minha) para falar um bocadinho com "aquela menina" , ou seja , eu!
Foi sempre assim. Um senhor muito querido, que apenas conheço dali e que de alguma forma, tive o privilégio de merecer a sua atenção e o seu apreço, que muito me emociona!
Perguntei como é ele estava e ele disse que estava "na mesma"! Depois, vi-o a procurar as chave do carro, e admirada perguntei se era ele que conduzia, ao que ele respondeu, "uma maravilha, sentado, funciono muito bem, andar é que é pior"!
Despediu-se amavelmente e lá foi caminhando encostado no carrinho!
É comum pela manhã, as filas do supermercado terem na sua maioria, pessoas com mais idade.
Algumas pessoas, mais idade, não significa mais paciência, muito pelo contrário.
Um velhote que só tinha três a quatro artigos, está a reclamar porque está na fila. Ouço alguém dizer "mas fulano X, também está e não está a reclamar" - ao que o velhote responde: "mas eu não tenho a vida dele"! Vai um senhor diz para ele passar à frente, anda um lugar , mas ainda estão dois á frente. Pede a um se pode passar, recebe resposta afirmativa, e passa.
Sai da caixa, encontra alguém conhecido e fica ali a cumprimentar, ainda perguntar por A e B, descansadinho da vida. Eu penso assim " isto não vai acabar bem". É quando o cliente que lhe tinha dado a vez me diz:"estava cheio de pressa, não era?!"
Felizmente a situação ficou por ali, certamente deram um desconto ao senhor e ainda bem!
Estou a atender uma simpático e bem disposto velhote, que vai arrumando os seus artigos diretamente no carrinho, porque tinha deixado os sacos na viatura!
A dada altura começa a olhar preocupado para o ecrã, e diz: "Ai, valha-me Deus, que não chega"! Nesse momento, fico na dúvida se continuo a registar ou se pergunto ao senhor alguma coisa. Também fiquei preocupada.
Quando termino o registo, peço o cartão continente, pergunto se tem algum cupão e se quer número de contribuinte na fatura.
O senhor disse-me que não sabia se tinha dinheiro que chegasse, e eu disse, "então vamos lá contar". Contei todas as notas, moedinhas...Faltava pouco, cerca de quase dois euros, e como o senhor tinha várias latas de atum de primeira marca, apenas anulei uma. Pediu desculpa, e eu disse-lhe que não havia problema. O senhor foi de uma simpatia, que eu retribui.
Mas custa-me imenso estas situações! Infelizmente não se pode ajudar muito mais...
Estava a atender um velhote , que estava a tentar pagar com multibanco. Já conheço o senhor, sei que tem sempre dificuldade no processo é preciso dizer todos os passos, com calma.
Entretanto, enganou-se no código. Quando lhe disse ele não ouviu, o acrílico e máscara dificultam a comunicação. Falo mais alto e ele ouve.
Da fila uma senhora, perto até da idade deste senhor, diz "vá...que estou cheia de pressa!"
Sei que a maioria das pessoas vão ao supermercado com pressa, mas esta atitude ainda podia atrasar mais o processo, porque deixa a pessoa mais nervosa!
Agora há mais uma desculpa para não se fazer distanciamento e para quebrar regras: a malta que já foi vacinada! Acham-se os maiores. acham que já nada os pode derrubar. Culpa de quem os vacinou que não lhes explicou, que mesmo vacinados, podem apanhar e transmitir, ainda que mais leve!
A desculpa da vacina, está a ser cada vez mais usada!
Um dia, um cliente queria entrar pela saída das caixas, disse-lhe que não podia porque não era ali a entrada, mas sim, a saída com compras, e porque para passar ia tocar nas pessoas que lá estavam e então ele responde que já levou a vacina e que por isso não fazia mal tocar em alguém!
Hoje quando chamei a atenção devido à falta de distanciamento, o casal disse para eu não me preocupar porque eles já estavam vacinados, respondi que as regras eram iguais para todos, por enquanto.
Já depois de sair, fui fazer umas compras, quando já estava na caixa para pagar, uma senhora meteu-se mesmo em cima de mim, quando a chamei atenção, respondeu que já estava vacinada e eu respondi: "mas não estou eu, e a senhora não precisa de estar em cima de mim!"
É que mesmo que não houvesse pandemia, é uma falta de educação esta atitude!
Sei que são mais as vezes que partilho situações negativas do que positivas, porque talvez elas me deixem mais insatisfeita e porque assim consigo dar o feedback ao público de como esta pandemia não deu para "civilizar" as pessoas, como no inicio todos achávamos, mas para trazer ao de cima, o pior de muitas delas!
No entanto, também há dias bons, pessoas sensacionais, humildes, ordeiras, simpáticas. Consigo até dar pela falta de algumas pessoas, consigo até sentir saudades das boas e até divertidas conversas que costumávamos ter. Embora as conversas hoje em dia vão, quase todas, parar à pandemia!
Ontem, atendi dois casais de velhotes, que são uns queridos. Aquele "olá menina. então como tem passado? Há que tempos que não nos víamos!" Um dos casais apenas não tinha aparecido, para se resguardar, mas o outro...
Quando eu digo que já não os via há muito tempo, a senhora contou-me que "foi o covid"! Então eu pergunto-lhe se esteve com o vírus e ela responde: " olhe acho que foi pior que ter o covid, fui levar a vacina a astrazeneca, e quase que morria, tive febre, fiquei de cama, parecia que tinha-me passado um camião por cima, tantas dores no corpo, na cabeça, pensei que morria, nunca tive tanto medo, e já tenho mais de 70 anos!"
E depois diz-me que o marido, o senhor que estava com ela, levou a mesma vacina, dois minutos depois, mas não teve nada! Também me disse que em junho teria de levar a segunda dose e que agora tinha muito medo!
Tentei tranquilizá-la, mas disse-lhe que dessa vacina também tinha algum receio, mas que como já tinha passado mal da primeira poderia ser que da segunda já não sofresse. Mas disse-lhe para ela falar com o médico de família.
Apesar de tudo isto, e, pelo que tenho falado com os clientes, principalmente os mais velhos, eles estavam contentes com a vacina. Muitos já tinham levado a primeira dose e até há pouco tempo, não havia grandes queixas...
Primeiro vem a pandemia para nos deixar neste caos, depois vem a esperança da vacina, e agora andamos com medo da própria vacina!
Uma senhora de idade estava com a jovem neta às compras.
Todo o processo estava a correr muito bem, a neta foi muito pro-activa a ajudar a avó. Chega a fase do pagamento, e a velhota abre a carteira põe a máscara no queixo, pega numa maço de notas de 20€, cospe para os dedos e começa manusear as notas. Peço-lhe para colocar a máscara, vira-se para mim, e na maior descontração diz-me "e como é que quer que conte o dinheiro com a máscara"!? Como se o dinheiro só se pudesse contar daquela forma. É a neta que convence avó que tem de por a máscara.
Daqui se percebe que ainda há muita falta de comunicação, entendimento e cuidado em relação a esta pandemia. Do que adianta aquela senhora ter levado a máscara, ter provavelmente desinfetado as mãos à entrada, ter feito o distanciamento se depois fez umas das piores asneiras !?
Quando termino o atendimento a um cliente e chamo o próximo, aparecem logo três pessoas adultas e uma velhota. Educadamente peço-lhe para aguardar um pouco, porque ela própria tinha os seus artigos. Ela responde "ah esta gente é minha, não faz mal"! É aí que o neto responde " mas tens de respeitar, avó"!
Isto tudo para dizer, que mesmo em pleno 2° confinamento, as pessoas continuam a ir às compras em grupo, e os velhotes não ficam em casa, mesmo os que têm quem lhes faça as compras!
Um velhote teimou que tinha deixado um cupão em cima do tapete, disse-me que eu o tinha. Tirou tudo dos bolsos para me provar que não estava com ele, mas sim comigo.
Pedi a uma colega para reimprimir, passei o cupão e a situação ficou resolvida. Mas, uma hora depois achou o cupão e foi lá o entregar. Digo-lhe que agora já não era preciso, mas ele disse: "mas tem de ficar aí com ele"!
Para que o caso ficasse realmente resolvido, disse-lhe " está bem"! Daí por uns minutos, voltou à minha caixa para me dizer que as colegas do Mini-preço tinham dito que o cartão Mini-preço também dava para usar no continente. Primeiro ainda lhe disse que não dava, mas como ele não saia dali e teimava, deixei-o ir com a sua razão!
Nesse dia, foi lá ao supermercado só durante a manhã umas 4 vezes!