Há um velhote, super castiço, que mesmo quando não vai à minha caixa, vai sempre meter conversa, vai principalmente falar do meu gato.
Há duas semanas lá foi ele dizer-me que vinha aí o frio e que eu tinha de fazer uma camisola para o gato. Então eu disse-lhe que infelizmente já não tinha esse gato. O senhor ficou comovido, disse-me que bem sabia o que custava perder um animal, quando se tem amor por eles, o senhor que sempre brincava, ficou sério!
Esta semana já lá voltou e mais uma vez, foi só meter conversa e desejar um bom dia, já não falou do gato!
Uma cliente habitual levava o seu carrinho bem recheado. Levava carne, peixe, marisco, bacalhau, e outras coisas mais. Conversa puxa conversa, e ela diz-me que algumas de nós são como família para ela, pelos anos de convivência, o que me deixou emocionada!
Quando vejo o total, o valor passa dos quatrocentos euros. Não era um resultado habitual, então enquanto a senhora terminava de embalar, fui puxando no ecrã para ver se me teria enganado e repetido alguma coisa ou multiplicado mal, alguma quantidade.
Quando digo o total à senhora, a resposta foi : " ai não pode ser, deve de haver algum engano, nunca gastei tanto assim no continente!" Preocupada voltei a verificar, mas com a pressão de ter pessoas em espera, não dava tempo para confirmar um a um todos os registos. Então, eu pedi à senhora que confirmasse tudo, e que, se alguma coisa estivesse mal registada, viesse falar comigo.
A senhora entretanto desapareceu do meu ângulo de visão, foi certamente arrumar os produtos ao carro.
Daí a momentos, chega até mim, com o talão na mão. Pensei logo, que certamente tinha cometido algum erro.
Mas não! A senhora veio ter comigo, apenas para me dizer, que não ficasse preocupada, pois estava tudo correto!
Hoje atendi um senhor, ciente habitual, repetente, um velhote dos castiços, mas infelizmente, muito amargurado pela vida e pela perda da esposa.
Costumava ir comprar fraldas de incontinência e pedir sempre fatura completa. Já não o encontrava há algum tempo, e pela última conversa, já pressentia que a esposa tinha partido.
Recordou-me que a doença de Alzheimer chegou precocemente á esposa aos quarenta e poucos anos e que assim ficou até aos 81 anos.
Falava sempre dela com tanto, mas tanto amor e cuidado. Foi seu cuidador com ajuda da filha. Mesmo, a senhora nos últimos 10 anos estando acamada, sem falar, ele achava que ainda não era a hora dela partir! Ele achava que o olhar dela mudava quando ele estava perto, e parece que só isso lhe bastava! Porque era só o que ela mexia, os olhos!
Esta dura e real história de vida, dava um livro. Nós criamos afinidades com as pessoas, e sempre me emocionava com o zelo dele pela esposa! Não conheço o senhor a não ser dali, mas ele sempre, pôde contar comigo para os seus desabafos. Também lhe disse que ela agora estava em paz e que já não sofria.
Não posso fazer muito , mas acredito que ouvi-lo também o ajudou.
Depois de tanto tempo neste trabalho, mesmo não sendo da localidade, mesmo não conhecendo de outra parte os clientes, vou criando afinidades.
No meio de tantos clientes, hoje queria destacar aqueles, que nos conseguem animar, que nos conseguem fazer rir. Aquele cliente em especial, que está sempre, mas sempre, bem disposto, a fazer rir, a baralhar, a fazer partidas, a dizer disparates!
Tudo isto para falar de um senhor, que todos conhecemos pelo seu bom humor e brincadeira. Vai sempre acompanhado pela esposa que também entra nas brincadeiras. São pessoas do bem.
No entanto, chegou até ele um problema de saúde, que não sei qual é, mas sei que é grave, e que o tem debilitado muito. Uma das últimas vezes que ele esteve na minha caixa, estava muito calado. Perguntei se estava melhor, disse-me que não! Até lhe disse:" hoje nem lhe apetece implicar comigo!?" Acenou-me que não!
Ultimamente a esposa vai sozinha ás compras e ele fica no automóvel. A esposa da última vez que esteve na minha caixa, disse que ele continuava a não estar bem. Chorou, até.
Espero que haja alguma forma de tratamento que lhe dê qualidade de vida para que ele melhore, e volte com a sua boa disposição, que volte a animar, que volte a ser chato e a pregar partidas, porque nos faz falta, muita falta pessoas assim!
Como já aqui disse, eu não sei os nomes dos clientes, quando os retrato, uso alguma caraterística que os identifique. No entanto, esta senhora, a dona Vicência tem um nome muito raro, mas que me diz muito. Tem o mesmo nome que a minha saudosa tia. A tia que foi a minha segunda mãe, a minha confidente, companheira, melhor amiga. Afeiçoei-me a esta senhora não só pelo nome, mas também porque percebi que tinha em comum com a minha tia, a doçura de pessoa!