Estou a atender um cliente que estava numa de conversar, conversar. Eu estava a tentar despachar, mas o senhor queria mais conversa.
A dada altura ouço um alarme, que me parecia não ser da minha caixa, parecia vir de longe, e então olhei para trás. É aí que esse senhor que trazia uma mala preta ao ombro, retira da mesma umas laminas dentro de uma caixa com alarme e diz, na maior das descontrações : "Fui eu, fui eu ! Meti isto aqui para não misturar com a comida e quase que me esquecia de as pagar! Ainda ia o segurança atrás de mim e passava vergonha!" Era um produto caro.
Fiquei ali uns segundos a processar a situação, e pedi ao senhor para não voltar a fazer isso. Ele diz: "pois, já viu a minha situação, que vergonha!!
Eu nem sabia o que pensar. Ou o senhor é bom actor ou estava mesmo a ver se levava o artigo sem pagar!
E depois quem se sente mal sou eu. Mas alguém guarda um artigo dentro da mala com intenção de o pagar!?
Sei que são mais as vezes que partilho situações negativas do que positivas, porque talvez elas me deixem mais insatisfeita e porque assim consigo dar o feedback ao público de como esta pandemia não deu para "civilizar" as pessoas, como no inicio todos achávamos, mas para trazer ao de cima, o pior de muitas delas!
No entanto, também há dias bons, pessoas sensacionais, humildes, ordeiras, simpáticas. Consigo até dar pela falta de algumas pessoas, consigo até sentir saudades das boas e até divertidas conversas que costumávamos ter. Embora as conversas hoje em dia vão, quase todas, parar à pandemia!
Ontem, atendi dois casais de velhotes, que são uns queridos. Aquele "olá menina. então como tem passado? Há que tempos que não nos víamos!" Um dos casais apenas não tinha aparecido, para se resguardar, mas o outro...
Quando eu digo que já não os via há muito tempo, a senhora contou-me que "foi o covid"! Então eu pergunto-lhe se esteve com o vírus e ela responde: " olhe acho que foi pior que ter o covid, fui levar a vacina a astrazeneca, e quase que morria, tive febre, fiquei de cama, parecia que tinha-me passado um camião por cima, tantas dores no corpo, na cabeça, pensei que morria, nunca tive tanto medo, e já tenho mais de 70 anos!"
E depois diz-me que o marido, o senhor que estava com ela, levou a mesma vacina, dois minutos depois, mas não teve nada! Também me disse que em junho teria de levar a segunda dose e que agora tinha muito medo!
Tentei tranquilizá-la, mas disse-lhe que dessa vacina também tinha algum receio, mas que como já tinha passado mal da primeira poderia ser que da segunda já não sofresse. Mas disse-lhe para ela falar com o médico de família.
Apesar de tudo isto, e, pelo que tenho falado com os clientes, principalmente os mais velhos, eles estavam contentes com a vacina. Muitos já tinham levado a primeira dose e até há pouco tempo, não havia grandes queixas...
Primeiro vem a pandemia para nos deixar neste caos, depois vem a esperança da vacina, e agora andamos com medo da própria vacina!
Chega uma senhora à minha caixa, uma senhora simpática, bem parecida, com um casaco muito chique .
Queixasse do calor que está ali na zona das caixas. Disse-lhe que era normal estar ali calor. É aí que começa a nossa conversa, numa altura de acalmia, enquanto registo as compras.
Cliente: Sim, e também deve ser da vacina , que levei ontem.
Eu: Vacina!? Mas a do covid!?
Cliente: Sim, sim
Eu: E então correu tudo bem? Doeu?
Cliente: Sim, correu. Não doeu. Esperei o tempo devido, sempre bem. Já em casa tive um pouco de febre, dor de cabeça, calor. Mas é tudo normal, tudo que era aspectável, porque na verdade estão a injectar-nos um vírus e é normal que tenhamos alguns sintomas do covid. Se não tivéssemos qualquer sintoma, era porque a vacina não estava a fazer efeito.
Eu: Não sabia. Ainda bem que correu bem. Sem medos, não é!?
Cliente: Eu confio, eu tenho esperança. Se a classe cientifica se uniu, para erradicar o vírus, temos de acreditar. Tenho esperança!
Neste momento já as pessoas da caixa atrás estavam de olho na conversa.
Foi uma conversa agradável, foi bom ouvir um testemunho cara a cara.
Todos queremos o mesmo, que isto acabe, e que voltemos todos a ser livres!
Lá vai o cliente para a caixa, a parte mais chata, pois é aquele fim de linha, onde é preciso esperar e pagar. É ali, que por vezes, as nossas perguntas, que fazem parte do nosso trabalho, parecem demasiadas e incomodar quem está com pressa.
Num destes momentos eu percebi que uma senhora ora batia o pé, ora olhava para o relógio, ora ainda, suspirava. E suponho que tantas perguntas feitas ao cliente que estava a ser atendido, nomeadamente: tem cartão continente, precisa do número de contribuinte nafatura, está a fazer a caderneta da pyrex, fez com que ela fizesse mais um suspiro e dissesse, baixinho " ai, tanta conversa"! Se calhar, não era suposto eu ouvir, mas ouvi!
Mas compreendem que temos mesmo de as fazer certo? Somos humanos. Sei que a maioria entende e aceita.
Quem não quer saudações, conversas nem perguntas, vai ao robô (caixa selfservice), mas olhem que até esse, diz umas palavras, mas ninguém lhe responde e ele não se importa nada!
Atendi um senhor, aí na casa dos 55/60 anos, que estava a conversar com a senhora, talvez pela mesma idade, que eu ia atender a seguir. Deviam de ser amigos, pois o senhor estava a contar-lhe qualquer comida que tinha feito, e depois concluiu dizendo: "...e agora vou aspirar a casa, que está cheia de migalhas"! Despediram-se , o senhor seguiu, e a senhora diz-me: "Mas onde é que andava este homem, quando eu quis casar?!"
Há um cliente que nos costuma visitar quase todos os dias, um cliente habitual. Um senhor, educado, culto, muito falador.
Quase sempre pega numa deixa nossa ou de alguém e arranja uma história para contar. Um dia, alguém falou do tempo do Salazar, e ele encontrou logo uma história, onde mostrou ter conhecimento da política da época, mas a meio da conversa, eu perdi-me, e já não estava a conseguir acompanhá-lo. Ele fala muito e depressa. De outra vez a conversa era sobre um país qualquer onde ele esteve a trabalhar, e mais uma vez, ele acabou a conversa num monólogo, porque eu não o consegui acompanhar até ao final! Eu até me esforço por o entender, por lhe dar respostas, mas a determinada altura a conversa está tão confusa, que antes de eu diga algum disparate, apenas vou concordando...
Sei que não sou a única a ter este problema, já outras colegas também se queixaram do mesmo! Nós não o conseguimos seguir até ao final da sua conversa.
Por vezes queremos ser atenciosas, mas assim fica complicado. Será que ele ainda não entendeu? Se calhar não!
É tão bom estar no trabalho e aparecer uma criança tão simpática, conversadora, inteligente, e principalmente tão educada...
Nem precisou da ajuda da mãe na conversa, já sabia a data de quando as aulas iam começar, também pensei que ia para o 1º ano, mas disse-me logo que já ia para o segundo...
Nestes últimos dias, os temas de conversas com os clientes, são os tais três:
A visita do Papa, a vitória do Benfica, e a estrondosa e inesperada vitória de Portugal na Eurovisão da Canção. E é esta última que é consideravelmente maior. Pois como dizem, nem todos são devotos, nem todos são benfiquistas, mas todos...somos portugueses! E, a pesar que muitos terem achado que a música não tinha potencial para ganhar, eu inclusive (e como estava enganada), sentem-se orgulhosos e agradecidos ao Salvador pela vitória!
A cliente que acabei de atender em vez de retirar os seus sacos de cima do tapete e ir à vidinha dela, fica encostada a conversar com uma amiga, que por lá passou.
A cliente que começo a atender não tem espaço para colocar as suas coisas e a pessoa que a acompanha diz: "Espera a senhora tirar as coisas". Ao que esta responde: " Esperar!? Então mas isto aqui, não é para ficar a fazer sala!"
Mesmo assim, a outra senhora, ou porque não ouviu, ou porque não se deu conta, ou até mesmo porque lhe apeteceu, ainda demorou um bocado para retirar as suas coisas...
Na caixa atrás da minha, uma cliente queria sacos, dos ecológicos pequenos. A minha colega só tinha um padrão que tinha legumes, onde o tomate se evidenciava. A minha colega pergunta-me se eu tenho outros, com outro padrão. Eu mostro e o padrão era igual. Diz a senhora: "Ena tanta tomate, levo dois, assim sempre tiro a barriga da miséria"!